Deu na Folha de S. Paulo
Apesar das suspeitas de irregularidades na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), o Congresso conseguiu, com aval do governo, dobrar o valor das emendas parlamentares a serem destinadas ao órgão neste ano.
O Orçamento de 2022 aprovado pelo Congresso previa R$ 610 milhões para a Codevasf em emendas de relator –distribuídas a deputados e senadores com base em critérios políticos por darem sustentação ao governo no Congresso ou estarem ligados às presidências da Câmara e do Senado.
Mas a cúpula do Congresso quis elevar esse valor para R$ 1,2 bilhão.
O aumento ocorreu após a publicação de uma portaria assinada pelo Ministério da Economia em maio –quase um mês depois de a Folha revelar indícios de fraudes na estatal.
Nesta quarta-feira (20), a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e um de prisão em uma investigação que mira fraudes em licitações e desvios de verbas federais na Codevasf. A ação foi realizada em diferentes cidades do Maranhão.
A estatal é ocupada por indicados por parlamentares do centrão e tem sido um dos destinos preferenciais das emendas de relator desde que o mecanismo começou a ser utilizado pelo governo Bolsonaro para aglutinar a base aliada.
Mais da metade do orçamento para emendas de relator em 2022 já foi negociada às vésperas do início da campanha eleitoral. Os mais beneficiados são aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Essas indicações —e o aumento na verba para emendas neste ano— foram feitas pelo relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ). Ele não quis se manifestar, mas técnicos da equipe dele dizem que as decisões foram tomadas após tratativas políticas com líderes do Congresso.
Em 2022, já foram indicados R$ 665 milhões em emendas de relator para a Codevasf. Desse total, quem mais repassou recursos para a estatal foi o ex-líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
O senador determinou que todas as emendas a que teve direito até agora fossem para a Codevasf, o que representa R$ 91 milhões. Um filho do senador, o ex-prefeito de Petrolina Miguel Coelho, é pré-candidato ao Governo de Pernambuco pela União Brasil.
As emendas são destinadas principalmente para obras de pavimentação e compras de máquinas e equipamentos. As duas modalidades são os destinos prediletos quando as emendas são para a Codevasf.
Uma emenda de Bezerra, por exemplo, destina R$ 3 milhões para a compra de equipamentos para o matadouro de galinha caipira em Petrolina. Outra reserva R$ 12 milhões para a duplicação e pavimentação da avenida Transnordestina.
O segundo lugar na lista é do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), que aparece como o autor de R$ 57 milhões em emendas de relator.
Governadores de estado não têm direito a emendas de relator. O seu nome aparece lá porque é possível que usuários externos registrem emendas, o que é uma forma de camuflar o real autor do pedido. Com isso, um terço das emendas de relator não tem um autor evidente.
O terceiro lugar na lista é do líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), que indicou R$ 43 milhões em emendas direcionadas para a Codevasf. A estatal é comandada por Marcelo Andrade Moreira Pinto, que foi indicado por Elmar em 2019.
O primeiro parlamentar do Maranhão na lista é o senador Roberto Rocha (PTB-MA), que indicou R$ 21,5 milhões em emendas de relator para a Codevasf. Ele é o quinto colocado no ranking geral de parlamentares.
Rocha foi responsável pela indicação de Antônio Rosendo Neto Junior para o cargo de diretor da área de desenvolvimento integrado e infraestrutura na estatal.
Outros diretores da Codevasf são ligados ao PP, partido de Lira e do ministro Ciro Nogueira (Casa Civil). É o caso de Luís Napoleão Casado Arnaud Neto, da área de gestão dos empreendimentos de irrigação, e de Rodrigo Moura Parentes Sampaio, da área de revitalização das bacias hidrográficas.
Procurada, a Codevasf disse que as nomeações para cargos de direção observam requisitos técnicos e de experiência estabelecidos em lei.
“A diretoria é composta por pessoas com qualificação e experiência cujos nomes são aprovados pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de Administração da empresa”, afirmou a estatal.
No governo Bolsonaro, a Codevasf tem conseguido ampliar o orçamento em relação à verba prevista inicialmente em cada ano.
Em 2021, por exemplo, a estatal começou o ano com R$ 1,3 bilhão. Mas esse valor subiu para 3,5 bilhões.
Uma explicação é que a Codevasf se tornou destino para emendas parlamentares. Outro motivo é a transferência de recursos de outros órgãos e ministérios, que decidem repassar à estatal a verba –isso é chamado de descentralização de recursos.
“Esses movimentos orçamentários decorrem da alta capacidade e da agilidade que a Codevasf possui de empenhar e executar os orçamentos que lhe são disponibilizados”, afirmou a estatal em um documento interno.
Para 2022, o orçamento da Codevasf partiu de R$ 2,1 bilhões e atualmente está em R$ 2,7 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão de emendas de relator.
Como a Folha mostrou em abril, o governo Bolsonaro passou a usar em larga escala uma manobra licitatória para dar vazão aos recursos bilionários das emendas parlamentares.
A estratégia deixa em segundo plano o planejamento, a qualidade e a fiscalização, abrindo margem para serviços precários, desvios, superfaturamentos e corrupção.
Quando foi criada em 1974, a companhia tinha atividades em 504 municípios, que ocupam 640.000 Km².
A área de atuação da Codevasf foi ampliada desde então. Com a extensão mais recente, sancionada durante o governo Bolsonaro, a Codevasf passou a poder executar ações em 2.675 municípios, que ocupam cerca de 3,1 milhões de km², mais de um terço do território nacional.