Artigo: Márcio Endles sobre a ação no STF

Publicado em: 3 de dezembro de 2024

Por Márcio Endles
Advogado e professor

A eleição da Assembleia do Maranhão tem sido amplamente debatida, suscitando questionamentos e reflexões sobre sua legitimidade. Em razão disso, muitas pessoas têm solicitado opinião sobre o tema. Trata-se de uma questão que já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cuja jurisprudência consolidada assegura a autonomia das Casas Legislativas na aplicação de suas normas regimentais, conforme delineado no Tema nº 1.120 da Repercussão Geral.

A repercussão geral tem como objetivo evitar a repetição desnecessária de julgamentos sobre questões já resolvidas. Esse instituto é acionado quando se reconhece a importância de estabelecer entendimentos consistentes sobre temas relevantes, promovendo a uniformidade das decisões judiciais. Ao consolidar tais entendimentos, a Corte Suprema contribui para a garantia da isonomia e da previsibilidade nas soluções jurídicas, valores essenciais ao Estado Democrático de Direito.

Esse mecanismo adquire especial relevância em um sistema federativo como o brasileiro, onde é indispensável harmonizar interpretações regionais com os princípios constitucionais. A uniformidade das teses jurídicas, além de fortalecer a segurança jurídica, garante que as decisões respeitem as peculiaridades locais sem comprometer a coerência do sistema jurídico nacional.

No caso em questão, destaca-se a uniformização da jurisprudência que consagra a independência e a autonomia dos parlamentos para tratar de suas normas internas. O entendimento firmado pelo STF no Tema nº 1.120 é inequívoco: as normas regimentais das Casas Legislativas constituem matéria interna corporis. O Poder Judiciário não deve intervir, salvo nos casos de flagrante violação constitucional. Essa posição reflete uma jurisprudência sólida, consistente e reiterada, conferindo aos parlamentos autonomia para decidir sobre suas próprias regras internas.

Um exemplo paradigmático da aplicação desse entendimento ocorreu no julgamento da Reclamação 57526, envolvendo a eleição da presidência da Câmara Municipal de Palmas, capital do Tocantins. Naquele caso, o processo eleitoral interno para o biênio 2023/2024 foi contestado pelo candidato derrotado, que alegava irregularidades na contagem de votos. Ele sustentava que três votos, considerados válidos pela Mesa Diretora, deveriam ter sido anulados, e pleiteou intervenção judicial para rever o resultado.

O Poder Judiciário Estadual acolheu inicialmente o pedido, determinando nova análise dos votos. Contudo, o STF, em decisão unânime, reformou tal entendimento, reafirmando que a interpretação e a aplicação do regimento interno são competências exclusivas da Casa Legislativa, cabendo aos parlamentares decidir soberanamente sobre suas regras internas. Essa decisão, publicada em 19/05/2023, reiterou a aplicação do Tema nº 1.120 e a autonomia parlamentar.

O precedente do caso de Palmas reforça dois pontos fundamentais que dialogam diretamente com a situação da Assembleia Legislativa do Maranhão. Primeiro, mesmo diante de uma alegação de omissão regimental, o STF reafirmou que cabe exclusivamente ao Parlamento interpretar e aplicar suas normas internas, sem qualquer ingerência judicial. Segundo, o STF destacou que questões como contagem e validação de votos são assuntos internos, sendo vedada a revisão judicial de decisões soberanas do Legislativo.

No caso do Maranhão, o Regimento Interno da Assembleia não é omisso. Pelo contrário, ele estabelece de forma expressa a regra de desempate por idade, adotada durante a eleição em questão. Essa norma foi legitimamente decidida pelos próprios deputados estaduais, refletindo a soberania do colegiado. Diferentemente do caso de Palmas, onde havia uma alegação de lacuna normativa, no Maranhão a norma regimental é clara e foi devidamente aplicada no processo eleitoral.

A ação que questiona a eleição da Assembleia do Maranhão contraria a unanimidade das decisões do STF sobre o tema e representa uma ruptura com anos de jurisprudência consolidada, que protege a soberania das Casas Legislativas no exercício de suas competências internas. Admitir essa intervenção configuraria uma verdadeira virada de jurisprudência, comprometendo a previsibilidade e a segurança jurídica do sistema constitucional brasileiro.

Tentei resumir o assunto, mas os autos contêm diversos elementos que ainda serão analisados e que evidenciam a inviabilidade da ação. Ademais, é evidente que a jurisprudência do STF, fundamentada no Tema nº 1.120 da Repercussão Geral e em precedentes como o da Câmara Municipal de Palmas, aponta claramente para a improcedência da ação. A autonomia das Casas Legislativas é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito e deve ser resguardada.